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quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

O ESCÂNDALO DO BRASILEIRÃO: SOBRE FATOS, VERSÕES E HIPÓTESES - MARCOS GOMES



Prezados leitores, um novo texto do nosso leitor Marcos Gomes, novamente, muito esclarecedor.


"O Escândalo do Brasileirão - Sobre Fatos, Versões e Hipóteses 
Nesse momento em que aumentam as suspeitas de que a escalação indevida de Heverton tenha sido proposital, começam a surgir versões e hipóteses para isentar a Lusa e o principal beneficiado pelo erro - o Flamengo. Em artigo anterior publicado neste blog, eu havia apontado para uma das regras de ouro de uma boa investigação: verificar quem ganhou o que com o crime (http://blogcoronelpaul.blogspot.com.br/2014/01/o-escandalo-do-brasileirao-quem-ganhou.html). 
No presente artigo, gostaria de desenvolver outro aspecto de uma investigação isenta, a saber, a necessidade de diferenciar o que é fato do que é versão. Somente com isso pode-se construir hipóteses mais confiáveis. Embora em princípio possa parecer fácil separar um fato de sua versão, nem sempre é assim. Para início de conversa, se você não presenciou um acontecimento, ou não tem provas inquestionáveis de que ele ocorreu, você nunca terá um fato em suas mãos. Assim, quando você abre um jornal, o que lhe é apresentado ali como fatos, na verdade são apenas versões deles. Veja que isso não é necessariamente um problema, desde que você possa confiar em quem lhe traz a versão. Vou dar um exemplo. 
Imagine a situação de Seu Manuel, um sexagenário casado com Penélope, uma louraça 30 anos mais nova que ele. Ele está todo feliz porque acabou de nascer-lhe um filho. Até que um dia Joaquim, um grande amigo de infância, lhe diz que a criança é do padeiro Paulão. Transtornado, Seu Manuel vai tirar satisfações com a esposa. Aos prantos, Penélope lhe diz que isso é vingança do amigo, que inventou a calúnia porque ela não cedeu às suas investidas. Seu Manuel tem então diante de si um dilema, com alguns, fatos, versões e hipóteses:
Fato 1: Seu Manuel teve relações com sua esposa e ela engravidou, mas não sabe se é o pai.
Fato 2: Paulão é tido como o garanhão do bairro e adora mulheres casadas.
Hipótese 1: Penélope é honesta.
Hipótese 2: a louraça o trai com Paulão.
Se confia plenamente em Penélope, Seu Manuel vai simplesmente aceitar a versão da esposa e terminará sua amizade de longos anos com Joaquim. Já se confia mais no amigo, pedirá um exame do DNA da criança, arriscando-se a que a mulher fique ofendida e peça o divórcio. Veja que o teste apenas lhe trará um novo fato: a criança é ou não sua. Mas esse fato ainda não lhe garantirá que sua mulher não o tenha traído com o padeiro. Sendo assim, ou Seu Manuel contrata um detetive particular para reunir mais fatos e tirar sua dúvida, ou terá de escolher entre a versão da esposa e a de Joaquim, baseado unicamente na confiança que tem neles. 
Voltemos então ao caso "FLALUSAGATE". Se estamos investigando a hipótese de que tenha ocorrido uma maracutaia na 38ª rodada do Brasileirão 2013, então devemos nos ater apenas a fatos concretos que estejam comprovados, ou versões de gente muito confiável e isenta. Obviamente as versões dos próprios suspeitos (Fla e Lusa estão entre eles) e afins (no caso a Imprensa) não se prestam a isso.
Vamos então a alguns fatos e versões sobre o caso: 
1- Sobre o julgamento de 06/12
No dia 03/12, a Portuguesa recebeu um e-mail do STJD intimando-a a participar da sessão de 06/12 (6ª feira). Na pauta, o julgamento de Heverton. O jogador tinha sido denunciado pelo procurador por ofensa à honra do árbitro no jogo contra o Bahia (artigo 243-F do CBJD), infração sobre a qual geralmente recai uma pena de 4 jogos. A estratégia da defesa nesses casos é buscar a absolvição ou o reenquadramento da infração no artigo 258, que garante uma pena mais branda (em geral 2 jogos). Até aqui apenas fatos, sobre os quais todos concordam.
Agora começam as hipóteses.
Se alguém planejou comprar a Lusa antes do julgamento de Heverton, precisava que ele fosse condenado, não é mesmo? Para isso, era necessário cooptar o Dr. Osvaldo Sestário, advogado que havia anos defendia a Lusa. Era preciso que ele intencionalmente fizesse uma defesa ruim ou simplesmente faltasse à sessão. Se assim fosse, o natural seria que os auditores acatassem o enquadramento do atleta no artigo 243-F, conforme pedido pelo procurador. Isso implicaria Heverton pegar 4 partidas de gancho, o que atenderia ao esquema engendrado. Mas ele pegou só dois jogos de suspensão. Logo, ou Sestário fez uma boa defesa, pondo em risco um plano do qual necessariamente teria de fazer parte, ou os auditores optaram por conta própria pelo reenquadramento que resultou numa pena menor, o que é possível, mas não provável. E se Sestário fez uma boa defesa, será que não era possível que a pena fosse ainda menor? Se isso acontecesse, Heverton estaria livre para jogar no domingo e o esquema morreria ainda no berço.
Bastam esses argumentos para indicar que é frágil a hipótese de que alguém tenha decidido comprar a Lusa antes do julgamento de Heverton, mas vamos voltar a isso adiante. 
2- Sobre o treinamento, a concentração e a escalação de Heverton:
Estranhamente sobre essas questões, tão fáceis de ser apuradas, não existe nenhum fato comprovado, apenas versões.
Uma versão publicada no site Lusanews, supostamente às 18:48 de 07/12, diz que Heverton tinha condições de jogo, participou do treinamento de sábado e que na sequência se concentrou junto com a equipe (http://lusanews.com.br/2013/12/07/em-clima-de-despedida-portuguesa-realiza-ultimo-treinamento-do-ano/#comments ). Mais uma vez, os incautos se apressam em concluir que a decisão de escalar Heverton era anterior à noite de sábado, quando o rubro-negro pisou no tomate. Vamos então a fatos, que se não desmentem essa versão, pelo menos a põe em dúvida:
Primeiramente, dá para confiar plenamente na versão da Lusanews? Já foi provado neste mesmo blog que não. Há suspeitas de que o parágrafo que fala sobre a liberação de Heverton tenha sido acrescentado após o jogo do Flamengo. Por sinal, o referido texto está ausente num clipping emitido pelo site Siga Futebol, feito poucos minutos após a publicação inicial da Lusanews (http://blogcoronelpaul.blogspot.com.br/2014/01/o-escandalo-do-brasileirao-um-pequeno.html ). Também há registro de que houve edição no texto original em momento posterior à partida do Fla (http://blogcoronelpaul.blogspot.com.br/2014/01/o-escandalo-do-brasileirao-resposta-do.html).
Entretanto, mesmo que a Lusanews consiga provar que o parágrafo suspeito tenha sido publicado antes do jogo do Flamengo, isso só mostrará que a equipe do site estava desinformada sobre a condenação de Heverton na véspera. Não quer dizer que a diretoria da Lusa não soubesse do fato. Vejam que a reportagem da Lusanews não diz qual era a fonte de sua informação.
Outro ponto importante é que, ainda que Heverton tenha treinado e se concentrado no sábado, isso não prova que ele já estivesse escalado desde então. De fato, é comum que jogadores suspensos treinem para compor o time reserva e até se concentrem junto com os colegas. Isso é mais frequente ainda quando o jogo acontece em casa, pois não implica custos expressivos com deslocamento e hospedagem. Em geral se faz isso para não premiar com folgas atletas suspensos, o que seria um incentivo para que eles as provoquem. Então, se Heverton se concentrou junto com os companheiros, isso pode ser considerado um fato normal. A questão da concentração só se tornará importante se futuramente for descoberto que ele seguiu para a mesma depois dos outros. Isso sim seria um fato suspeito!
Mas a pergunta mais importante não foi feita ainda: quando o técnico Guto Ferreira definiu a escalação? Uma vez que ele só era obrigado a fazê-lo apenas 45 minutos antes da partida da Lusa, há prova de que sua decisão de relacionar Heverton é anterior ao jogo do Flamengo? A conclusão é que, se essa prova crucial não apareceu até agora, então ela não deve existir.
3- Sobre quem dentro da Lusa poderia ter participado do esquema:
Quanto a isso, até o momento também não existe nenhum fato concreto, apenas versões e hipóteses baseadas nas mesmas.
Uma delas é toda construída em cima de um depoimento que alguém no Canindé deu sobre supostas pastas. Segundo noticiado, na Lusa era hábito abrir pastas toda 2ª feira com anotações de jogadores impedidos ou com risco de ficarem impedidos de jogar. Diz-se que funcionários não teriam feito as anotações devidas sobre Heverton em sua pasta, mesmo o clube tendo recebido em 03/12 (3ª feira) a intimação para o julgamento do atleta. Inclusive o novo presidente da Lusa, Ilídio Lico, diz desconfiar de duas pessoas lá dentro, mas não deu nome aos bois. A conclusão precipitada a que alguns chegaram foi que, se a omissão dos funcionários foi intencional, isso indicaria que desde 3ª feira o plano já estaria em marcha. Logo, como o Flamengo só se enrolou com a escalação indevida de André Santos no sábado, o clube não poderia estar participando da trama.
Mas calma lá! Vejam que isso é apenas uma versão publicada sobre fatos não comprovados. Há prova de que a Lusa de fato abria essas pastas sobre os jogadores? E se abria, não seria possível que alguém posteriormente subtraísse a pasta com as anotações de Heverton e botasse a culpa nos dois funcionários? Mais adiante voltaremos a esse ponto.
Outra versão não comprovada é dada pelo próprio promotor do MP-SP, Dr. Senise Lisboa. Em declaração à Imprensa, ele isenta de culpa o ex-técnico da Lusa, Guto Ferreira, que foi quem de fato escalou Heverton. Outra vez devemos olhar com cautela essa informação. Lembrando o que nos disse anteriormente o Cel. Paúl, às vezes o investigador lança pistas falsas na Imprensa, esperando que a movimentação dos culpados os denuncie.
Fato é que, se a Lusa foi comprada, o corruptor precisava da certeza de que Heverton fosse relacionado para a partida. Lembrem que o jogador não era nenhuma sumidade e ainda estava de saída do clube, logo seria natural que não participasse do jogo. Sendo assim, era necessário garantir que Guto Ferreira o escalasse.
Havia duas formas de fazer isso: comprando Guto ou dando uma ordem expressa para que ele escalasse Heverton, o que seria no mínimo suspeito. Ou seja, se houve maracutaia, o ex-técnico da Lusa tem a chave do mistério, pois sabe quem o convidou para o esquema ou o forçou a participar dele involuntariamente. Mais uma vez é de se estranhar que a Imprensa não esteja espremendo Guto Ferreira para tirar dele a verdade. Fato é que as declarações do técnico ao longo do imbróglio tem sido contraditórias. Primeiramente afirmou que escalou Heverton porque foi informado de que o jogador havia sido suspenso por apenas uma partida, pena esta que já havia sido cumprida (http://globoesporte.globo.com/futebol/times/portuguesa/noticia/2013/12/tecnico-da-portuguesa-se-defende-eu-jamais-escalaria-jogador-irregular.html ). Depois disse que sequer sabia que o atleta seria julgado na 6ª feira (06/12) (http://globoesporte.globo.com/futebol/times/portuguesa/noticia/2013/12/guto-ferreira-gente-nao-sabia-nem-que-tinha-julgamento-do-heverton.html).
Outros dois suspeitos contra quem não há fatos comprovados, mas existem indícios, são o diretor jurídico da Lusa na gestão anterior, Valdir Rocha, e o advogado Osvaldo Sestário. Enquanto o primeiro diz que foi avisado erradamente de que Heverton havia pegado apenas uma partida de suspensão, o segundo afirma que passou a informação correta. Um dos dois está mentindo, mas quem? Um argumento em favor de Sestário já foi visto anteriormente: ele parece ter feito uma boa defesa de Heverton, o que em princípio não era bom para o esquema. Outro ponto é que alguém com um pingo de inteligência só entraria numa falcatrua dessas se estivesse seguro de que haveria outro para levar a culpa, do contrário sua carreira poderia ser destruída. Mas é evidente que ele não acertou seu discurso com a Lusa, do contrário não estaria agora trocando acusações com ela. Para se precaver disso, Sestário poderia, por exemplo, ter mandado um e-mail com o resultado do julgamento. Se quisessem incriminá-lo depois, era só mostrar a mensagem. Mas inocentemente Sestário deu a informação só por telefone, como sempre fazia. Ficou com a busanfa na janela.
Mas para o Dr. Valdir, não haveria esse problema para participar do esquema. Bastava depois dizer que houve um engano e colocar a culpa em Sestário, que não teria como provar o contrário. Só que, se o conchavo aconteceu antes de sábado, há dois problemas nessa tese. O primeiro é que, como vimos antes, Valdir devia garantir que Sestário não conseguisse a absolvição de Heverton. Ao que parece, o Dr. não tomou providências para a isso.
O segundo problema é que para Valdir seria melhor que houvesse uma pasta sobre Heverton no arquivo da Lusa. Mas, segundo noticiado, não havia pasta alguma, então ou ela não foi aberta ou sumiu. Isso dificulta a posição de Valdir, que agora tem de explicar dois fatos anormais: porque não registraram em pasta a intimação para o julgamento de Heverton e porque não anotaram nela o resultado que dizem ter recebido de Sestário (gancho de uma partida).
Mas se a operação foi colocada em marcha só no sábado, há uma hipótese que explica tudo isso:
Na 3ª feira chegou a intimação do STJD e a pasta de Heverton recebeu a anotação correspondente. Na 6ª feira o caso foi julgado e Dr. Sestário conseguiu uma pena de apenas 2 jogos. Avisou imediatamente por telefone ao Dr. Valdir e a anotação foi feita na pasta. Até aí tudo normal. Mas no sábado as coisas mudam quando o acordo escuso é selado. Há um inocente útil para levar a culpa do engano - o Dr. Sestário. Porém há uma prova em favor dele - a anotação na pasta. A melhor solução para isso seria simplesmente fazer uma nova pasta com um registro falso. Mas talvez isso implicasse ter de corromper o responsável pelas anotações, o que, dependendo da pessoa, podia ser complicado. Havia alternativa? Sim, simplesmente sumir com a pasta!
Há ainda dois suspeitos conhecidos que poderiam ser incluídos na lista: o presidente anterior da Lusa e o atual. Sobre o ex-presidente Manoel de Lupa pesam uma dívida milionária e suspeitas de improbidade administrativa (http://www.espn.com.br/noticia/334118_portuguesa-corre-risco-de-ser-desfiliada-pela-cbf , http://blogs.lancenet.com.br/deprima/2014/01/03/gobbi-pode-perder-diretores-em-2014/ ). Já sobre Ilídio Lico, pode-se dizer que, se não demitiu ainda os dois funcinários suspeitos, é porque deve ter o rabo preso com eles. Só que, novamente, isso são apenas indícios.
Prezados leitores que tiveram a paciência de me ler até aqui, vejam que o cerne do presente artigo não é acusar o Flamengo de coisa alguma. Na verdade, os poucos fatos disponíveis ainda não são suficientes para comprovar a hipótese de que o clube pagou à Lusa para escalar indevidamente Heverton. O problema é que estão usando versões sobre fatos não comprovados que tem surgido para descartar o rubro-negro como suspeito. E o pior, querem usar essas mesmas versões para sustentar que o Fluminense e/ou seu patrocinador são os culpados. Se a Imprensa não está fazendo isso por estar metida na história, no mínimo é por preguiça, interesses econômicos ou pura preferência clubística.. Qualquer que seja o motivo, isso é um desserviço à liberdade de Imprensa, que custou sangue para ser conquistada em nosso país.
Um abraço.
Marcos Gomes".

#flalusagate

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Um comentário:

  1. Coronel, esses raciocínios precisam chegar ao MP... Ajudariam ao promotor Senise a enxergar melhor... Não como o senhor enviá-lo também ao promotor Senise?

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